Luís Maldonalle é um icônico guitarrista goiano.
Bastante dedicado e atuante na cena musical de Goiânia, se tornou uma
referência na cidade devido à sua caratcerística virtuose de tocar e por ter
adquirido uma valiosa bagagem de conhecimento no decorrer de sua carreira. Assim, se tornou um músico respeitado e requisitado, dedicando-se ao
trabalho de compositor e arranjador, produtor musical, músico de estúdio e
professor de guitarra. Agora ele contará para você como a sua trajetória
musical se iniciou, dando detalhes do seu desenvolvimento como músico
profissional e falando um pouco mais sobre seu crescimento musical junto com a
cena underground goianiense, seus gostos pessoais, aberturas de workshops para
guitarristas famosos e sobre seus planos para o futuro como músico.
por Mário Megatallica
Maldonalle, conte como e quando foi o ponto de
partida da sua jornada como músico. Quando ocorreu o primeiro contato com o
Rock/Metal... fale da sua primeira guitarra, das primeiras aulas e das bandas
que influenciaram você como músico.

A partir daí, nada mais importava, toquei de oito
horas até 22 horas por dia. Era como um lugar mágico - você, a guitarra e mais
nada. É claro que nessa época, tudo era muito lúdico e você achava que poderia
realmente mudar o mundo ou ser como os seus heróis. Mas a verdade é que
guitarristas, qualidade e oportunidade, dificilmente eram encontrados na mesma
frase no fim dos anos 80 aqui em Goiânia. Um simples pedal da Boss era motivo
para ir a pé até Trindade (nota: santuário religioso de Goiás) e grande parte
do meu aprendizado - se não todo - foi feito com instrumentos que não davam a
menor estrutura e sem a chance de plugá-los em um amp ou saber como soava
aquilo que você tocava. Fazíamos palhetas de vinil e sequer sabíamos o que era
um luthier. Eu mesmo fiquei sem instrumento por um ano e meio, tocando sempre
com instrumentos emprestados. O acesso a equipamento e às referências eram bem
difíceis. Tampouco havia lojas como hoje temos aqui. Algo que devo ressaltar
foi que minha mãe nunca impediu que eu não me dedicasse e me comprometesse com
instrumento - algo difícil de se ver por aí... Com relação ao instrumento,
tinha uma extinta loja, chamada Fênix, que tinha uma Ibanez RG 750 exposta em
sua vitrine, acho que fiquei parado em frente àquela vitrines por uma
eternidade... Eram outros tempos, ninguém sabia sobre a diferença entre
calibres de corda, ou para que servia determinados pedais. Talvez por isso,
essa geração tenha uma relação mais visceral com a música, não havia Youtube,
lojas, internet, o que fez com que todos, se desdobrassem para conseguir o que
queriam.
Hoje os garotos tem muita dificuldade de
desenvolver a percepção musical, ou conhecer a obra de uma banda em sua ordem
cronológica. Alguns não conseguem tocar Nirvana nem com um detalhado songbook.
Os são mais avançados do que estes posam como "guitar heroes". E isso
pode ser fatal para o não estabelecimento artístico de um guitarrista ou da
cena local. A maioria acaba por queimar etapas, se escondem atrás do avatar do
virtuoso mas sequer diferem a escala maior de uma menor. Há uma enorme
diferença entre viver de música e viver da sua música.
Você surgiu como destaque na cena através da
banda Black Rain no fim da década de 1980. Conte como foi a sua história com essa
banda.

E após tocar com a Black Rain você resolveu
investir na sua carreira solo. Daí surgiu a “demo-tape” Midas Touch em 1993,
que chegou a receber avaliações em duas grandes revistas daquela época. Conte
um pouco dos bastidores da produção desse trabalho e fale da importância dele
para a sua carreira.

A partir do lançamento de Midas Touch, você se
tornou um guitarrista bastante conhecido na cena de Rock de Goiânia e passou a
ser requisitado por várias bandas. Apesar de frequentar o meio musical
roqueiro, você acabou “flertando” com o mercado de música Pop quando entrou
para a banda de pop-rock Laia Vunje. O que fez você aceitar o convite para
entrar nessa banda?
Eu sempre gostei de música e não de rótulos. É
bom que se diga que nunca vi a mim mesmo como um músico; minha relação não é só
com o instrumento e sim com a música. Não sou luthier, sou guitarrista. Não
gosto do estigma, do "músico"... é bem limitado pensar desta forma,
até porquê, me interesso por outras formas de arte. A Laia Vunje foi um momento
de transição na cena de Goiânia e acabou por reforçar o que até aquele momento
era um tímido movimento musical. Eu fiz a minha parte com muita dignidade e
entrega, como sempre fiz em todos os projetos, apenas o modo e expressão eram
diferentes, estrutura, acordes, além da própria proposta, mas nunca vi essa
fase como algo a esconder. Estávamos em uma gravadora "major", acho
que isso para o padrão existente aqui é bem significativo. O
"line-up" da banda tinha um valor musical bem acima da média. Não
consigo ver música como um produto enlatado sobre na prateleira de
supermercado. O termo Pop-Rock é um erro. Eu cresci e fui criado ouvindo Rock,
em várias de suas vertentes, mas estou em contato com boa parte dos segmentos
musicais oriundos de Jazz, Blues e Rock, ou qualquer coisa que me interesse, de
Coltrane a Slayer ou MC5 a Bon Jovi. Acho que acabei sendo privilegiado em
participar dos projetos musicais (boa parte deles) no momento certo. Estamos
falando de quinze anos atrás. O que muda consideravelmente a cena que temos
hoje.
E como que foi tocar com a Laia Vunje? Conte mais
detalhes do seu trabalho com essa banda.
Foi uma oportunidade de trabalhar com repertório
autoral e era uma boa proposta àquela época. Muita coisa ainda estava sendo
descoberta por aqui. A gravadora Abril, que veio como a chave para o sucesso,
acabou sendo o "calcanhar de Aquiles". Tocamos em vários lugares,
festivais, programas de tevê e a banda tentou ir até onde foi possível. Mas...
o rompimento com a gravadora foi inevitável. A relação deteriorou-se a partir
disso. E tínhamos a banda de um lado e o vocalista e a empresária de outro. E
após o disco com orquestra (que diga-se de passagem, tem grandes arranjos e uma
boa composição, estragada por uma produção desastrosa) eu me desliguei por
completo do projeto. Principalmente por não se tratar mais de música.
Após deixar a Laia Vunje, você deu outra virada
na sua carreira retornando para a cena Rock/Metal, desta vez entrando para a
banda In Bleeding – que inclusive mudou perceptivelmente de estilo após a sua
entrada. Conte como foi esse retorno ao Metal, o que rolou nos anos de trabalho
com essa banda e fale sobre a concepção do CD Phobia.

Em 2006 você resolveu investir novamente na sua
carreira solo e entrou novamente em estúdio para gravar o CD Manicomial com a
ajuda do produtor Gustavo Vazquez. Eu gostaria que você contasse o quanto essa
parceria influenciou no resultado final do álbum e falasse sobre como ocorreu a
concepção dele, assim como o tema por trás de suas músicas.

Como o disco foi feito sem um baterista, o
Gustavo foi quem programou as baterias - com exceção da música "Dwelling
Between The Poles", que foi feita por você Mário Megatallica (nota: o
editor do BlogAeRR teve uma participação especial neste álbum). Perdemos um
pouco da ambiência que provavelmente teríamos com uma bateria orgânica mas
experimentamos o suficiente com timbres e texturas, tentando compensar. E mais
uma vez, eu tenho que ser sincero e confessar que realmente fiz o que pensava e
estava em minha mente àquela altura. Às vezes eu chegava para gravar e não
tinha a menor ideia do que iria fazer, mas as coisas fluíam e praticamente
todos os takes de solo foram feitos de primeira; não por achar que isso possa
trazer alguma vantagem como guitarrista mas para manter a naturalidade e
espontaneidade em um trabalho que tinha a mente, que era o processo de
distúrbios, em primeiro plano.
Como você compararia o processo de produção dos
seus dois trabalhos solos, de 1993 e 2006?
É um salto quase impensável, principalmente pelo
intervalo de tempo - 13 anos. Muito havia mudado. Tudo feito com plataformas e
softwares que sequer existiam àquela época. Hoje você pode registrar suas
ideias até em smartphones e tablets. Ter o instrumento plugado em amps
valvulados, ou um portfólio de pedais para cada parte específica, é bem fácil e
motivador. Hoje, quase nem se pensa sobre isso, você acaba mecanizando o que é
prático e funcional dentro de um estúdio. E boa parte dos discos são feitos de
canções e texturas. Na música instrumental isso pode ser um pouco diferente
pois a guitarra vem muito em primeiro plano; quem consome este tipo de música
espera algo isso e talvez a questão da canção, a música, fique um pouco em
segundo plano. E toda a questão estético musical e artística eram quase
negligenciados àquela época, o que acho natural porque vivíamos com um
"delay" de informação de quase dez anos em Goiânia.
Sendo considerado um dos melhores guitarristas
que Goiânia já teve, você passou a realizar workshops de guitarra e também
participar da abertura de workshows de vários guitarristas famosos que se
apresentaram na cidade, como Eduardo Ardanuy, Michael Angelo, Kiko Loureiro e
Ritchie Kotzen. Eu gostaria de saber o que você mais leva em conta quando vai
realizar um workshop e como foi poder participar de eventos com guitarristas de
importância nacional e internacional.

A experiência adquirida durante todos esses anos
possibilitou que você trabalhasse como produtor no estúdio Rocklab juntamente
com Gustavo Vazquez. Conte como você desenvolvia a sua função nos trabalhos
produzidos nesse estúdio.
O Gustavo é um grande amigo meu, a melhor mão de
obra especializada que eu já vi, sem dúvida, e tive a felicidade de trabalhar
por dez anos no Rocklab. Sem dúvida meu leque musical cresceu muito, estávamos
sempre falando sobre musica de forma verdadeira e sem rótulos. Aprendi bastante
ali. E acho que dentro do possível acrescentei muito também. Eu sempre participei
de alguma forma com as produções, mais na questão de arranjos. Mas para mim,
àquela altura, o importante era o contato com música e desdobrar com o trabalho
de arranjos e possibilidades. Além de ter feito participações ao ponto de não
conseguir lembrá-las ou contá-las, durantes esses dez anos. Realmente estar lá,
foi um capítulo bem importante na minha carreira.
E sobre o seu trabalho como professor de
guitarra?
No momento eu desativei o modo professor (rs).
Mas eu leciono desde 1994 pelo que eu me lembro... É uma ótima forma de rever
os conceitos, estudar e tentar sempre estar à frente do conceito de ensino.
Acabei conhecendo muitas pessoas assim, grande parte hoje são grandes amigos
meus. O que ratifica que algo realmente foi bem feito nesse sentido. Nos
últimos anos eu já não tinha o mesmo tempo e dedicação, outras coisas tiveram
que ser priorizadas.Para quem se interessar, eu ainda mantenho um
curso via email com vídeos e um canal aberto para explicações e as dúvidas
recorrentes.
Você participou da produção do DVD Unright Way To
Music. Fale sobre ele e o que ele representou para você musicalmente.

E, falando em DVD, certamente você deve se
orgulhar bastante com a sua série de DVDs didáticos. Fale sobre como surgiu a
ideia de lançar video-aulas para iniciantes e como se desenvolveu o processo de
produção destes DVDs.

Você voltou a mostrar seu ecletismo musical
através dos seus últimos trabalhos com bandas em Goiânia. Com o Extrapolation
Trio e com o Versus AD você explorou mais seus lado experimental e jazzístico,
enquanto que com a Bella Utopia você tem experimentado um Rock mais direto e
com letras em português. Comente sobre o seu trabalho com estas bandas.



Eu gostaria que você comentasse sobre a atual
cena de Rock/Metal, tanto no Brasil quanto no exterior. Como você avalia os álbuns
que a nova geração do Metal tem lançado, o que você acha dos recentes álbuns de
bandas pioneiras como Metallica, Megadeth, Slayer , Iron Maiden e Black Sabbath
e como você imagina que o Metal deverá soar daqui a dez anos.
Eu tenho ouvido muito do que vem sendo feito por
aí. Com algumas exceções, na maioria das vezes, soa mais do mesmo. Acredito que
existe uma carência mercadológica onde as "majors" (grandes
gravadoras) acabam direcionando tendências e as suas fichas. Não deveria ser
assim. As grandes bandas, essas com mais de vinte anos de carreira, acabam
sendo forçadas a fazerem um resgate de seus melhores momentos e por vezes as
pessoas não aceitam suas novas ideias... foi assim com o Metallica, que acabou
por ser obrigado a resgatar o seu passado - o que foi feito de uma forma muito
positiva. Death Magnetic é um grande disco e talvez seja duro pra essas bandas,
por maiores e melhores que sejam, terem novos trabalhos e sempre terem que
tocar as mesmas coisas. Você tem um álbum novo, mas faz a tour com músicas
velhas. Acho o Slayer de hoje, descaracterizado pela ausência do Hanneman
(nota: guitarrista fundador do Slayer falecido recentemente) e do Lombardo
(nota: baterista original do Slayer) - realmente foi uma pena o que aconteceu
com o Hanneman - dificilmente será o mesmo. O Megadeth, dessas bandas, foi ao
meu ver o pior dos resgates; não achei positivo o que o Mustaine tentou fazer,
acho que perdeu um pouco da espontaneidade... ou talvez nós, os antigos fãs,
estejamos ficando velhos, chatos e exigentes. O Black Sabbath fez um grande
resgate mas definitivamente não continuou de onde pararam no fim dos anos 70;
por mais que alguns fãs queiram isto, não é um novo Sabotage (nota: álbum do
Black Sabbath com a formação original da banda). No Brasil, o Metal é sempre
ufanista e caminha segundo a tendência dos grandes... é natural isso. Fomos
criados com referências. E quanto ao Metal daqui há dez anos? Ele pouco mudou
na última década mas sempre vai haver novos desdobramentos do estilo,
proporcionando novas tendências e alguns narizes torcidos.
Você se vê tocando guitarra até quando?
Não muito. Profissionalmente pelo menos. Na
verdade, eu venho fazendo um processo de "desaceleração" com o
instrumento. Isso quase sempre soa estranho mas eu me cansei um pouco e como
artista a motivação é mais do que necessária. Eu sempre vou estar em contato
com o instrumento. A composição e os registros no estúdios ainda me fascinam...
mas o palco ou o comprometimento com o "mainstream", esses não mais.
São quase trinta anos sem uma folga ou tempo suficiente para outras coisas e
talvez tenha chegado esse momento. Por aqui, você pode se desdobrar e estar
envolvido com quinze projetos com real credibilidade, que as pessoas - algumas,
é claro - estão sempre pensando o contrário disso. Por isso, talvez eu sempre
tenha visto tudo como um todo... como Arte. Na verdade é sempre sobre isso. Não
estilo, rótulo ou vaidade. Os interesses do "business", além da falta
de camaradagem, talvez sejam responsáveis pela eterna estagnação da cena, mesmo
que alguns (os que dão as cartas) digam ser o melhor momento, não é! E só quem
anda na contramão sabe disso. Mas eu acredito que tudo feito sinceramente, e
não há outra maneira de se fazer arte, pode ter o seu lugar e momento de
reconhecimento. Mas, sinceramente, eu me sinto muito resolvido e privilegiado
de ter chegado até aqui por mérito próprio, com o respeito de alguns e muita
música.
Depois de tantos anos tocando guitarra, você
conseguiria citar o nome dos três guitarristas que mais te influenciaram?
Olha, depois de quase trinta anos envolvido com
música, e muitos deles com guitarristas, é realmente muito complicado. É
difícil ter que restringir tudo que se ouve, ou que fez parte da sua vida
musical em três nomes, ou um só instrumento... Quem sabe fosse mais fácil dizer
os 300 que te influenciaram! (rs). Mas se eu fosse sintetizar sinceramente o
que se tornou pilar, principalmente no crescimento musical, técnico, eu diria:
Yngwie Malmsteen, Jimmi Hendrix e Allan Holdsworth.
Contato de Luís Maldonalle:
maldonallemanagement@yahoo.com.br
Site da Bella Utopia:
Leia a resenha sobre o álbum Primitivo Silêncio:
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