Hardwired... To Self Destruct do Metallica

Após oito anos de espera, o Metallica finalmente lançou um novo álbum de músicas inéditas - Hardwired... To Self Destruct. O tão aguardado álbum prova que a banda permanece criativa e empolgante.





por Mário Megatallica

A espera de oito anos

Oito anos se passaram desde o lançamento de Death Magnetic, o último álbum de músicas inéditas do Metallica. E durante esse tempo eles se mantiveram bastante ocupados: gravaram shows em DVD no México, na França, no Canadá, lançaram um EP com "sobras" das sessões de gravação de Death Magnetic, comemoraram 30 anos de existência com shows exclusivos para os fãs do Metallica Club e lançaram um álbum (altamente questionável) em parceria com o músico Lou Reed. Por volta de 2012 começaram as especulações sobre a gravação de um novo álbum - e isso fazia sentido pois já se passavam quatro anos desde o lançamento de Death Magnetic; porém, o que aconteceu foi o lançamento de uma nova música chamada "Lords of Summer". E quando todo mundo achava que a banda finalmente estava concentrada no HQ para gravar um novo álbum, os caras do Metallica simplesmente anunciaram a produção de um filme! Sim, um filme chamado "Through The Never". Então tivemos que esperar mais algum tempo até a banda confirmar que se juntaria para gravar um novo álbum de músicas inéditas - o  que de fato começou a acontecer somente no fim de 2015...


Oito anos se passaram até o Metallica confirmar, em 2016, que estava gravando novas músicas e lançaria um novo álbum em breve. Em breve poderia ser em 2016 ou até depois! Sim, nem mesmo a data de lançamento estava confirmada pela banda e nós, os fãs, poderíamos ter que esperar até 2017 para ouvir material novo do Metallica, o que resultaria num período de nove anos desde o lançamento de Death Magnetic - quase uma década!! Seria algo absurdo de imaginar.

Enfim, oito anos se passaram e o Metallica confirmou em agosto de 2016 o nome, a capa e seu novo single, "Hardwired". Quando esta música estreou no Youtube, a comunidade mundial de fãs da banda (ou Metallica Family, como a banda costuma dizer) viu, ouviu e percebeu que a espera logo terminaria... vieram na sequência a divulgação dos single "Moth Into Flame" em setembro e "Atlas, Rise!" em outubro. Em novembro finalmente aconteceu o que se esperava há quase uma década: o lançamento do novo álbum, Hardwired... To Self Destruct, provando que o Metallica ainda tinha "lenha para queimar" e poderia se comprometer em lançar material inédito apesar da imensa quantidade de shows que a banda faz ao redor do mundo todos os anos.


Estratégia de marketing inovadora

A data oficial de lançamento do novo álbum do Metallica era 18 de novembro. A banda liberou o nome, a capa do e o primeiro single do álbum em agosto; os dois singles seguintes saíram em setembro e outubro. Esta sequência de lançamentos já foi suficiente para mobilizar os fãs da banda e a imprensa especializada em Rock e Metal, pois em noventa dias o Metallica saciou (parcialmente) a sede de material novo que todos tinham e que durava oito longos anos. No início de novembro, mês do lançamento do álbum, todos aguardavam ansiosamente a chegada do dia 18 para ouvir o novo material do Metallica - e ninguém imaginava o que viria pela frente... No dia 16 de novembro, dois dias antes do lançamento oficial de Hardwired... To Self Destruct, a banda simplesmente começou a liberar vídeos de todas as músicas do álbum; sim, é isso mesmo que você leu: o Metallica lançou videoclipes para todas as músicas do novo álbum! Cada vídeo foi liberado com intervalo de duas horas, em lugares diferentes do mundo, através de grandes portais de notícias. A internet foi capturada de surpresa com esta iniciativa! De repente, vários vídeos do Metallica começaram a surgir nas timelines das pessoas em diversas redes sociais - algo sem precedentes na história da indústria musical.


Quando o último videoclipe ("Spit Out The Bone") foi divulgado, tanto os fãs quanto a mídia perceberam que o novo álbum do Metallica já era realidade e praticamente havia sido lançado, digitalmente, através de vídeos. Sim, já era possível ouvir o álbum completo no canal oficial da banda no Youtube - após uma ação de marketing surpreendente (considerando que, no início da era digital, a banda travou uma guerra contra o Napster e seus arquivos digitais) e inovadora . E assim o Metallica chocou o mundo mais uma vez.





Enquanto os videoclipes eram liberados um por um, a banda postava fotos e vídeos curtos em redes sociais diversas (Twitter, Instagram, Facebook), além de fazer pequenas transmissões ao vivo (via Periscope) para manter os fãs informados de cada passo que a banda dava para promover o seu novo álbum. A última grande ação ocorreu no dia 18 de novembro, data do lançamento oficial de Hardwired... To Self Destruct, quando a banda transmitiu ao vivo sua apresentação no The House of Vans Club, em Londres (via Youtube). Enfim, foram 48 horas avassaladoras para os fãs do Metallica e uma grande aula de como chamar a atenção do mundo todo para um novo produto.



Produção do álbum

Death Magnetic, de 2008, sofreu algumas críticas de fãs e da imprensa por ter uma sonoridade "excessivamente processada" e por causar incômodo no ouvinte - principalmente quando escutado em volume alto. E aquelas críticas provavelmente representaram uma grande frustração para a banda pois o Metallica tentou de qualquer forma apagar a má impressão deixada pela fraca produção registrada no álbum St. Anger de 2003 - o último produzido por Bob Rock. Apesar dos esforços do produtor Rick Rubin, Death Magnetic também apresentou algumas falhas em sua produção e o resultado final desagradou uma parte dos fãs da banda.


Para produzir o álbum Hardwired... To Self Destruct, o Metallica contratou o engenheiro e produtor Greg Fidelman, que fez parte do time que produziu o álbum Death Magnetic em 2008 e essa notícia certamente produziu desconfiança nos fãs do Metallica. Será que ouviríamos mais um álbum com problemas de mixagem e/ou masterização?

O estúdio era o mesmo, o equipamento era o mesmo, o engenheiro de som era o mesmo. Mas, contrariando as expectativas de todos, o som da banda é o melhor registrado até hoje! A sonoridade dos instrumentos e da voz de James Hetfield, profundamente avaliados pelos fãs do Metallica quando eles divulgaram o single "Hardwired", comprovou que voltaríamos a ouvir um álbum do Metallica com excelente qualidade de som. O som das guitarras, bastante nítido, revela que a banda não se importa com modismos ou tendências e possui a quantidade de frequências médias necessárias para deixar a banda soando como sempre soou; o baixo está bem presente na mixagem e não só é possível sentí-lo como também ouví-lo; a voz de James Hetfield, mais uma vez, acalmou os fãs mais preocupados e está tão presente nas músicas que é possível imaginar que ele está cantando ao lado do ouvinte - e está surpreendentemente tão agressiva quanto no passado! Inclusive é possível perceber, em certos momentos, que James Hetfield canta um pouco acima de sua extensão normal, algo que poucos vocalistas se arriscam a fazer na idade que ele tem; a bateria de Lars Ulrich... essa dispensa comentários, basta ouvir qualquer música do álbum Hardwired... To Self Destruct para perceber o quanto seu som está limpo e incrivelmente explosivo. De forma geral, tudo soa moderno, orgânico, pesado, sem excesso de volume, compressão ou equalização e claro como cristal, comprovando que a mão humana faz sim diferença no resultado final da produção.


Death Magnetic + Reload

Assim que o single "Hardwired" saiu, mostrando o estilo Thrash Metal tradicional do Metallica, muitas pessoas se empolgaram e ressuscitaram suas expectativas sobre a volta da banda ao estilo que ela mesma criou (eu, inclusive, fui uma dessas pessoas). Passada a fase de euforia, parei e pensei comigo mesmo: por que o Metallica voltaria a fazer músicas de acordo com seu estilo original, o Thrash/Speed Metal? E de repente pensei que o single "Hardwired" poderia ser, de fato, uma resposta aos fãs mais antigos da banda, que sempre exigem que o Metallica não abandone suas raízes; e é claro que a banda não desapontaria esse enorme grupo de fãs - até porque eles são muito fiéis e estão com a banda há três décadas. Porém, pare para pensar: não seria excesso de otimismo pensarmos que o Metallica, em 2016, faria um álbum somente com músicas de Thrash Metal? Pensando bem, é óbvio que eles não fariam isso. O mais provável era que o novo álbum soasse como o Death Magnetic, como se fosse uma continuação deste álbum. Frustração? Hum.... talvez. Essa dúvida apenas ajudou a aumentar a ansiedade para ouvir as novas músicas, o que aconteceu no dia 18 de novembro.




Depois de ouvir o álbum Hardwired... To Self Destruct, um fator supresa surgiu: o álbum Reload de 1997. Para o bem ou para o mal (depende de quem ouve o álbum), boa parte das músicas de Hardwired... To Self Destruct apresentam ideias semelhantes às que foram exploradas pelo Metallica no Reload. A outra parte, como eu já previa, soa mais pesada e parecida com as músicas de Death Magnetic de 2008. É isto mesmo: em Hardwired... To Self Destruct existe uma convivência harmônica entre o Metal e o Hard Rock.

O lado pesado de Hardwired... To Self Destruct tem influências de Thrash Metal e Heavy Metal tradicional, por isso alguns riffs soam como Metallica no Kill ´em All ou Death Magnetic, ou soam também como algo mais tradicional como Judas Priest, Saxon, Diamond Head, Lynyrd Skynyrd - e provavelmente agrada qualquer fã de Metallica. Sobre essa parte Metal do álbum não há muito o que debater, ela é muito boa mesmo.

Sobre o que há de Hard Rock em Hardwired... To Self Destruct , isso acaba gerando grandes discussões porque é algo que diz respeito à identidade sonora do Metallica. Quem viveu a época do álbum Metallica de 1991(mais conhecido como Black Album) sabe que esse álbum representou a elevação de status da banda em nível mundial, transformando o Metallica em ícones do Metal - mas para que isso ocorresse foi preciso ceder espaço para um estilo mais comercial, o que muitos fãs tradicionais da banda consideram um grande pecado. Após o Black Album vieram os álbuns Load de 1996 e Reload de 1997, que tornaram o som da banda bem menos agressivo e pesado, afastando-a definitivamente do Thrash Metal. Foi justamente nessa época que muitos fãs conheceram o Metallica - e para esta parcela de fãs, não há problema algum em ouvir o Metallica soando "mais suave", seja em Reload ou em Hardwired... To Self Destruct .

Algumas músicas de Hardwired... To Self Destruct  de fato possuem similaridades com o álbum Reload, principalmente no que diz respeito aos riffs simples com andamento moderado. Isso não tem como negar. Essa combinação de riffs simples com bateria lenta e solos melódicos são marcas das músicas de Reload e estão presentes em Hardwired... To Self Destruct - mas de forma alguma representam algo ruim. Se você ouvir este álbum inteiro e comparar com o que tem sido lançado por outras bandas desde 2010, perceberá que a semelhança com o Reload não incomoda. Poucas bandas se aventuram em fazer músicas mais simples e menos agressivas e as que fazem isso enfrentam fortes críticas - e esse tipo de obstáculo foi superado pelo Metallica há vários anos, deixando a banda à vontade para manifestar seu estilo de forma livre. Boa parte das músicas de Hardwired... To Self Destruct soam, sim, como material do álbum Reload, mas, acima de tudo, soam como Metallica, com resquícios de Kill ´em AllMaster of Puppets, ...and Justice for All e Death Magnetic, sem dúvidas.

O lançamento de Hardwired... To Self Destruct, na verdade, parece ser um daqueles momentos em que nos deparamos com uma nova realidade do Metal. Não estaria o Metallica, com este álbum, redefinindo a fronteira entre o Metal e o Rock and Roll, assim como fez o Motorhead nos anos 70, encurtando a distância musical entre o Punk Rock e o Metal? Bem, mais uma vez, teremos que deixar o tempo responder essa pergunta. De qualquer forma, é muito provável que você encontre o novo álbum do Metallica na categoria Metal em alguma loja pois é pesado e tem seus momentos de agressividade e alta velocidade.

O fator idade

O Metallica, atualmente, é formado por quatro homens com mais de cinquenta anos de idade e é óbvio que isso deve ser levado em consideração quando analisamos tanto o conteúdo do álbum Hardwired... To Self Destruct quanto a performance de cada um deles.



Você já parou para pensar sobre o que estará fazendo quando completar 53 anos de idade? Seja lá o que for, isso vai depender das suas condições físicas e psicológicas. O lançamento deste novo álbum já é uma grande amostra das boas condições que os caras do Metallica têm para fazer o que fazem; algumas coisas feitas neste álbum são muito desafiadoras para a maioria das pessoas com mais de cinquenta anos - ou você acha que qualquer pessoa nessa faixa etária conseguirá tocar uma música tão rápida como "Hardwired" na guitarra ou na bateria?

Os caras do Metallica estão bem preparados para tocar esse tipo de som - isso não se discute. Eles tem condicionamento físico e equilíbrio emocional suficiente para tocar Metal quase diariamente sem afetar a saúde deles e por isso continuam fazendo turnês gigantescas até hoje. Então não se engane pensando que eles deveriam se aposentar! Pelo contrário, esses caras ainda podem continuar nessa atividade por muitos anos...



Apesar de ter condições físicas, alguns fãs questionam a qualidade técnica de alguns membros do Metallica. De vez em quando se ouve (ou se lê) comentários sobre a voz de James Hetfield, os solos de Kirk Hammet, as linhas de bateria de Lars Ulrich... Se eles não têm uma performance tão boa quanto nos tempos de ouro, eu vejo apenas duas possibilidades para explicar isso: ou eles não podem ou não querem tocar como antigamente. Na primeira hipótese, temos que analisar tanto o aspecto físico quanto o técnico - e em ambos o Metallica já provou que tem muita capacidade de fazer o que faz; todos os membros da banda são saudáveis e têm grande capacidade técnica para fazer coisas maravilhosas dentro do seu estilo. Mas então, por que não fazem? Aqui vem a segunda hipótese: eles simplesmente preferem tocar assim, de forma mais simples e direta, afinal, esse é o Metallica de 2016.

É sempre bom ouvir os caras do Metallica fazendo grandes performances com seus instrumentos, como faziam nos anos 80, mas o fato é que o Metallica atual preferiu adotar um estilo mais simples e para não comprometer a integridade de sua proposta musical, por isso é melhor que todos os membros da banda mantenham essa maneira de compor e executar seus respectivos instrumentos. Ou seja, fazer tudo de forma mais simples e direta provavelmente foi uma opção da banda.

Outra pergunta recorrente quando o assunto é idade: até quando o Metallica continuará em atividade? Será que Hardwired... To Self Destruct será o último álbum da banda? Isso, mais uma vez, só o tempo poderá responder. De qualquer forma é possível acreditar que, apesar de tantos compromissos, o Metallica seja capaz de lançar outro álbum no futuro - mesmo que isso leve mais oito anos para acontecer. E se levar tanto tempo assim eu penso que são grandes as chances de o próximo álbum ser o último; mas isso é algo para discutirmos daqui a muitos anos....


Posicionamento de mercado

Ok, Hardwired... To Self Destruct é um álbum de Heavy Metal, mas qual é seu público alvo? Com bandas como Slipknot, Korn, Disturbed, Five Finger Death Punch e Lamb of God dominando os festivais e a mídia com seu estilo agressivo e moderno, haverá espaço para Hardwired... To Self Destruct nos fones de ouvido do público jovem?



É certo que a falta de material novo do Metallica no mercado por oito anos deve ter prejudicado a renovação da sua base de fãs e durante esse tempo outras bandas surgiram com estilos diferentes, explorando elementos pouco utilizados por bandas tradicionais de Metal, adquirindo assim uma legião de novos fãs. Porém acredito que Hardwired... To Self Destruct traz uma mistura que pode parecer interessante até para quem curte bandas com estilo agressivo. Ouvir este álbum seria uma forma de escapar da realidade do Metal atual, saturado por músicas produzidas com excesso de gritos e elementos eletrônicos, e voltar a escutar um estilo de Metal mais orgânico e sem os excessos de produção das bandas atuais. Seria como voltar à essência do Metal.

Esta direção tem sido mostrada desde que o Metallica participou de eventos considerados "alternativos", como Lollapalooza, Coachella, South By Southwest e Leeds Festival. A mistura entre o Thrash Metal dos anos 80 com o Hard Rock alternativo dos anos 90 torna o Metallica uma boa opção para vários festivais e isso certamente ajuda a banda a manter uma grande base de fãs, assim como continuar tocando ao redor do mundo como banda principal em praticamente todos os eventos dos quais participa.


Avaliação do álbum

Eu esperava um Death Magnetic 2 e o Metallica trouxe um pouco mais que isso. O que a banda entregou aos seus fãs levará um certo tempo para ser absorvido - não pela ousadia das composições mas por sua mistura inusitada. É o tipo de álbum que se pode ouvir até com quem não curte Metal pois ali há um pouco de tudo que conhecemos dentro do Rock; há momentos agressivos, há momentos tranquilos, há momentos de extrema velocidade e também há momentos de lentidão, assim como há momentos de empolgação e de ansiedade.

Hardwired... To Self Destruct mostra que o caminho do Metallica até o fim de suas atividades é explorar suas influências musicais ao máximo, trazendo mais diversidade para suas músicas e entregando aos seus fãs uma experiência mais abrangente dentro do Metal, abusando da liberdade que as bandas dos anos 70 tiveram, afinal eles não têm mais nada para provar para ninguém.

Com exceção da faixa "Hardwired", todas as músicas possuem mais de cinco minutos de duração e o que chama atenção no conjunto do álbum é sua simplicidade e a forma direta como as músicas foram compostas. Existem, é claro, alguns excessos em relação à estrutura de algumas faixas, com pausas e contratempos que não acrescentam muito à composição em termos musicais mas que, de alguma forma, caracterizam a proposta desse álbum. A simplicidade técnica também é marcante, os arranjos e solos ficaram mais simples, porém de forma alguma prejudicaram a musicalidade da banda.

Se avaliarmos dentro dos critérios do Thrash Metal, obviamente o álbum perde força, principalmente se comparado com os últimos lançamentos de outras bandas desse estilo, entretanto, se colocarmos Hardwired... To Self Destruct numa categoria mais justa, pode-se afirmar que é um álbum muito bom e deve ajudar o Metallica a se manter no topo do Heavy Metal.





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